A (mal/ben)dita Educação Física
A Educação Física está no programa curricular dos alunos para lhes dotar de aptidão física (entre tantas outras), como a Geometria Descritiva está para lhes dar aptidão espacial
Muita tinta tem corrido nos últimos dias sobre a alteração do regime de exclusividade da disciplina de Educação Física para a conclusão do ensino secundário e até para a classificação da nota de candidatura no acesso ao ensino superior.
Torna-se até engraçado ver o pânico causado por tais afirmações, estando uns e outros, desde directores até aos pais, passando pelos alunos, a correr a dar o seu apoio ou contestação. E dos diversos testemunhos que tenho lido, a maior parte parece favorecer, não a necessidade ou não da inclusão da disciplina nas contas, mas sim uma argumentação sustentada em conveniência para casos específicos: do aluno a quem lhe tinha dado jeito contar para lhe subir a nota ao aluno que tinha excelentes notas e não ficou colocado por uma centésima a menos, que não existiria se não fosse por essa maldita disciplina.
Com tantas notícias e comentários, nunca será demais referir que a proposta aprovada em Conselho de Ministros ainda está em consulta pública e não tem qualquer prazo definido para a sua execução; ou seja, parece-me que só fará sentido implementar esta medida para os alunos que façam a sua matrícula no 10.º ano, no ano lectivo de 2018-2019.
Desta forma, os alunos poderão preparar-se para que essa, tal como todas as outras notas, estejam enquadradas com os valores de que irão necessitar, tanto para uma satisfatória conclusão do ensino secundário, como para uma possível nota de acesso ao ensino superior. Ou pelo menos assim o deveria ser… Não estivessem os alunos, muitas vezes, mais habituados a ter as notas e depois “logo se vê para o que dá”.
Nunca vi um estudo que determina com exactidão quantos alunos é que descem, mantêm ou sobem a sua classificação final do secundário por influência apenas da Educação Física.
Os alunos a que a Educação Física poderá subir a nota não me parecem preocupados com a medida a ser implementada, muito pelo contrário. Mas, por outro lado, o argumento utilizado para contestar a medida — de que foi por causa da disciplina de Educação Física que um aluno não entrou no ensino superior — parece-me bastante rebuscado. Porquê a Educação Física? Porque não Inglês ou Filosofia? Esse argumento é muitas vezes utilizado como “o aluno pode não ter aptidão física, logo não é justo”. Então e se outro aluno disser que também não tem aptidão linguística e que, portanto, para ele não deveria contar o Inglês?
Não podemos apenas querer retirar uma aptidão da lista de aprendizagens necessárias só porque para alguns não fará sentido. A Educação Física está no programa curricular dos alunos para lhes dotar de aptidão física (entre tantas outras), como a Geometria Descritiva está para lhes dar aptidão espacial.
Todas as disciplinas vão ser necessárias para que sejam uma pessoa completa, nas suas diversas valências e possibilidades de carreira — sendo que nenhuma me parece não precisar de saúde física e mental. Portanto, talvez o que deva ser repensado será antes a forma de avaliação da Educação Física.
Quanto ao acesso ao ensino superior, creio não fazer sentido que todas as partes interessadas tenham sempre uma palavra a dizer sobre a necessidade da inclusão de outras competências, para além da escola, mas ao mesmo tempo queiram retirar das contas a única disciplina que configura uma avaliação que não é meramente mental e cognitiva. Não deveria o ensino superior, através da sua seriação, valorizar e desafiar os jovens a serem mais activos e saudáveis?