De Portugal aos Estados Unidos (sem saber falar inglês)

Aluna portuguesa nos EUA
9 maio 2019
Bem, porque é que eu decidi ir para os Estados Unidos durante um ano? É simples: sempre fui péssima a inglês. Tirava negativas desde o meu 5º ano, mas muito sinceramente nessa altura não me preocupava muito. Se desse para passar de ano que era o suficiente. Até que, um dia,  cheguei ao secundário, e aí toda a história mudou.

 

 

Para acabar o secundário era preciso não ter chumbado a nenhuma disciplina. Eu não tinha hipótese! Comecei a estudar mesmo intensivamente mas não passava dos 6 valores. Claro, não sabia nada da matéria dos anos anteriores. Foi então que decidi ver o que é que existia para além das aulas. Estive inscrita em explicações, em cursos intensivos de inglês extra-curriculares, mas nada  deu resultado. Num certo dia ouvi falar de um programa que consistia em passar um ano do secundário no estrangeiro. Pensei: está aqui a minha oportunidade! Escolho os Estados Unidos da América , vou para lá estudar durante um ano, volto a falar fluentemente inglês e está o problema resolvido! Nesse mesmo dia, cheguei a casa, sentei-me à mesa para jantar com os meus pais e contei-lhes esta minha ideia genial. Eles, simplesmente, riram-se, e continuaram a jantar. Agora que penso nisso é compreensível, sempre cheguei a casa com ideias novas e mirabolantes todos os dias à hora de jantar.

No dia seguinte, quando acordei, ainda tinha vontade de estudar fora durante um ano, então decidi contactar algumas empresas que ajudam a encontrar famílias de acolhimento, colocações, tratam de todas as burocracias, da segurança, de todas essas coisas. Passado pouco tempo, enviaram-me todas  as informações. Olhei logo para os preços e pensei: “bem, este ano não vai mesmo acontecer!”. Até que me lembrei que, nesse Verão,  já iria ter 16 anos (idade mínima em Portugal para trabalhar), então juntei o útil ao agradável. Se eu fosse trabalhar não só pagaria grande parte do meu ano, como estaria a dar uma prova de confiança para que os meus pais acreditassem que eu queria mesmo ir estudar para o estrangeiro.

Estive a recolher informação e, no dia seguinte à mesa de jantar, voltei a referir os meus planos, mas agora também com a ideia do trabalho. Foi então que os meus pais começaram a perceber que a ideia estava fixa na minha cabeça há mais de uma semana, e que, certamente, era algo que eu queria mesmo fazer, e não apenas um devaneio. Começámos então a falar do curso e das várias hipóteses, mas sempre de uma forma muito geral.

Nesse verão fui trabalhar para uma escola, onde ajudava a levar  crianças à praia, tarefa que não me custou rigorosamente nada porque todos eles se portavam maravilhosamente bem. Só estive responsável por crianças entre os 3 e os 5 anos, e a palavra “rebeldia”, felizmente, não fazia (ainda!) parte dos seus dicionários, o que foi excelente. Como o dinheiro que consegui nessa função não era suficiente para a viagem, fui trabalhar também para as cozinhas de uma conhecida cadeia de fast-food, e aí já foi bem mais trabalhoso. Mas o esforço, sem dúvida alguma, valeu muito a pena. Depois de tanto trabalho convenci claramente os meus pais a deixarem-me ir, o que foi óptimo.

 

Os dias foram passando e quando faltavam menos de 24 horas para entregar os papéis para a inscrição, as dúvidas começaram a aparecer: “Calma…eu quero mesmo ir sozinha para o outro lado do Atlântico? Sem sequer saber falar inglês? E se não gostar da família? E se não me adaptar? E se sentir a falta da minha família? E dos meus amigos? E do meu país?”.

 

Foi aí que comecei a ver toda a minha vida a andar para trás. Se tenho uma vida tão boa em Portugal, para quê mudar? Comecei mesmo a ficar preocupada e foi então que decidi ir pesquisar testemunhos de jovens que já tivessem feito o mesmo. Sim, porque há milhões de estudantes em intercâmbios por todo o mundo, por isso não seria a primeira nem a última a querer estudar fora do meu país. Ora, bastou-me ler alguns testemunhos para perceber que não podia perder esta oportunidade nem por nada deste mundo. Passado pouco tempo, lá fui eu entregar todos os papéis para dar início à minha viagem.

Foi então que tudo começou. Comecei a preparar-me para a experiência que ia ter, mas tudo continuava a parecer surreal. Participei em vários fins-de-semana de orientação, ouvi dezenas de testemunhos de estudantes que já tivessem feito o mesmo, até que fui começando a perceber que tudo isto era mesmo verdade. Entretanto, o meu 11º ano chegou ao fim e o verão começou.

Quase sem dar por isso chegava às vésperas da viagem e estava na altura de preparar a mala. Quando faltavam 6 horas para o meu voo comecei a verificar se tinha tudo pronto. Quando confirmei, tinha-me esquecido de ir ao notário pedir a autorização de saída do país (e era menor de idade). Bem, aí sim comecei a ficar nervosíssima. Até lá, estava bastante surpreendida com a calma e com a tranquilidade com que andava até então. Naquele momento, vi todos os meus planos a ir por água abaixo. Ainda hoje não sei bem como é que tudo aconteceu, mas com a ajuda do meu pai lá arranjámos um advogado que foi ter comigo ao aeroporto dia 15 de Agosto – sexta feira e feriado em Portugal –assinou os meus papéis e lá fui eu viajar.

Passadas várias horas de voo, cheguei finalmente a Ohio, onde iria passar o próximo ano lectivo. A minha família de acolhimento estava logo à minha espera no aeroporto. A cidade, nada tinha a ver com Lisboa. Não havia prédios e todas as casas tinham jardim. Eram três da manhã (hora portuguesa) quando cheguei, por isso o jetlag fez com que fosse logo dormir.

No primeiro dia de aulas tive logo o meu primeiro treino de futebol (ou melhor, de soccer!), que fez com que me integrasse logo na escola. Os meus colegas estavam muitíssimo curiosos por ter uma estrangeira na equipa e por isso faziam-me imensas perguntas. Fiquei cada vez mais à vontade, até porque como era estrangeira, para todos eles era normal eu não falar inglês assim tão bem, até porque, sem conhecerem Portugal, não sabiam o quão mau era considerado o meu inglês. Dia após dia fui conhecendo cada vez mais pessoas até que cheguei a uma altura na qual já me sentia totalmente em casa.

Durante este ano posso dizer que me surpreendi a mim própria. Nunca pensei que conseguisse aguentar um ano longe de casa, mas foi maravilhoso conhecer outras culturas e outras maneiras de pensar completamente diferentes das minhas.

A altura do ano que mais me custou foi mesmo a época da passagem de ano. Nas redes sociais só via fotografias dos meus amigos a prepararem festas de norte a sul de Portugal, e eu estava a um oceano de distância. Mas depois acabou por ser um “ano novo” completamente fora do vulgar, por isso nunca mais me vou esquecer.

Todas as descobertas que fiz durante este ano são incalculáveis. Em Portugal, por exemplo, detestava Educação Física. Em Ohio, mal cheguei, fiz mais desporto do que em toda a minha vida até então. Na verdade, eu nem sabia que gostava de desporto, mas hoje em dia passo todas as minhas tardes a fazer desporto, em vez de as passar inteiramente em cafés. Para além disso, tive necessariamente que aprender a “desenrascar-me” sozinha, hoje em dia já não me atrapalho com nada e sou muito mais independente. Os Estados Unidos da América são um país enorme, cheio de diferentes crenças, opiniões, religiões, o que me ajudou a definir bem as minhas ideias e a poder afirmar com toda a certeza que aprendi mais nesse ano do que em toda a minha vida (embora saiba que ainda sou muito jovem!).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em suma, aquilo que eu retiro de toda a minha experiência é que somos nós próprios que colocamos obstáculos em várias situações nas quais eles não existem. Se eu quero ir para os EUA e não tenho dinheiro para isso, então, vou trabalhar. Se não sei falar inglês, então vou aprender. Quando começamos com “se” somos nós próprios que estamos a criar barreiras. A palavra “se” só é usada em situações hipotéticas, que não são reais. Logo, não há necessidade alguma de estar a pensar em coisas que eventualmente podem acontecer. Quando (e se!) acontecerem, logo se soluciona o problema. Mas de nada adianta sofrer por antecedência. A única coisa que acontece é um gasto supérfluo de energia.