Marta Oliveira veio até ao escritório da Inspiring Future para a primeira conversa da rubrica Malta Inspirada. "Vou voltar para a NASA em setembro", conta-nos Marta, de 26 anos, que esteve a trabalhar como estagiária na Agência Aeroespacial Norte-Americana, no ano de 2016.
O primeiro contacto deu-se através da International Space University, e quando o fez já tinha a tese de mestrado como material para tentar a entrada num meio tão exigente e competitivo. Antes da confirmação de que trabalharia com algumas das suas referências, Marta teve de fazer duas entrevistas, por telefone, com a segunda a demorar mais de duas horas.
"Eles esperavam que eu soubesse mais sobre o projeto [que iria integrar na NASA] do que era esperado, uma vez que nunca tinha estado envolvida - acho que a ideia era perceber a reação das pessoas quando se fala de projetos e temas desconhecidos", confidencia Marta, apontando para uma das soft skills logo ali avaliadas.
Depois seguiram-se perguntas "complicadas", confessa. "Algumas das que me fizeram [sobre o seu trabalho] nem na defesa da minha tese as colocaram." Como trabalho final de Mestrado, Marta Oliveira fez, nada mais nada menos do que participar numa proposta de missão para Vénus. "O que fiz foi uma otimização da órbita. Apliquei um algoritmo genético (método heurístico - introduz aleatoriedade no sistema para chegar mais fácil aos resultados) para otimizar a órbita de maneira a recolher o máximo de informação possível."
O bilhete para a NASA foi, então, um caminho a partir da qual é possível cobrir os sítios de interesse - alguns deles são sondas russas, que estão na superfície. Essa rota otimizada cobre todas as sondas", diz Marta como se não fosse uma coisa de outro mundo. Mas é - é para Vénus. Para nós, aqui neste mundo, percebemos melhor o que Marta nos tenta explicar é como se se tratasse das migalhas de Hansel e Gretel, que, entretanto, ficaram meio cobertas com pó e o que Marta fez foi recuperar esse itinerário, através do brilho das sondas, que se tornam assim visíveis.
Quando questionada sobre onde nasceu o bichinho do interesse aeroespacial, Marta Oliveira apontou para um hábito de infância: "Todas as visitas que fazia quando era mais nova com os museus com os meus pais... e ver os produtos finais e os resultados finais, porque não escola às vezes é tudo demasiado conceptual e abstrato..." O momento decisivo, considera, "acabou por ser uma revista que o meu pai me deu quando era pequenina do homem a pousar na Lua... senti uma conexão."
A ligação permitiu passar do abstrato para a concreto, quando viveu entre Maryland, Estrasburgo e Ohio, onde esteve durante cinco, oito e três meses, respetivamente. Prepara-se para regressar e já sabe que o mínimo, desta feita, são três anos em solo norte-americano. Isto se, entretanto, não descolar da Terra. Em princípio não. Com esta etapa "torna-se quase certo fazer carreira lá", conta Marta.
A Vida dentro da NASA
"É tudo muito protegido," conta-nos imediatamente. "A única coisa que tinha era um badge de foreign national e as pessoas olhavam um bocadinho de lado... acho que não trabalham muitos estrangeiros lá… só conheci um", explica, antes de sintetizar a sua experiência à paixão pelo trabalho: "Estava tão focada no projeto que não tinha tempo para pensar no que me estava a acontecer."
O centro da investigação em Maryland é como se fosse uma cidade inteira: "Há ginásio, restaurante, lojas... até polícia da NASA - Fui mandada parar pela policia lá dentro; não parei bem num STOP... mas não aconteceu nada", diz, sorrindo, Marta, que estudou no Liceu Francês antes de se matricular no Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa.
Marta, que estava concentrada no seu projeto, quando regressou quis trazer recordações mas as suas pretensões esbarram nas da NASA. "Fiz os desenhos dos projetos e queria trazer comigo o caderno mas eles não me deixaram, por causa da confidencialidade. Eu tive de assinar tanta coisa que depois já nem sabia o que estava a rubricar. Há muitos briefings, muita informação, às vezes de coisas de que eu nem fazia parte... são formalidades."
Um dia na NASA passa-se como, então? A trabalhar muito, já sabemos. “Trabalha-se com as pessoas do projeto, e é tudo muito sistemático depois de fazer o desenho, que é a parte mais criativa, onde há mais interação e discussão. Eu desenhei parte de uma câmara de testes para simular a atmosfera de Vénus. Quando começamos a montar as coisas já é autónomo e não há muita discussão. Não há horas de entrada nem de saída", frisa. "Entrava às oito e meia ou nove da manhã e saía bastante tarde." Mas também havia espaço para divertimento: “costuma haver muitas festas às sextas - há sempre um laboratório que está a fazer alguma coisa no final da semana."
Outra oportunidade que a NASA deu a Marta foi a possibilidade de entrar conviver com algumas das suas referências, como John Mather, vencedor do prémio nobel da física. "Ele é muito humilde e cortou toda a distância que poderia haver - é um par, ou, pelo menos, faz-nos sentir como tal." E foram pessoas como essas que também ajudaram a passar pelos momentos difíceis, porque também os houve, claro. Tal entreajuda foi uma constante desde que embarcou nesta viagem aeroespacial. Aliás, começou muito antes, com todo o apoio que teve no Instituto Superior Técnico, onde frequentou dois cursos, depois de se ter apercebido de que o primeiro não era bem aquilo que queria.
"Senti-me muitas vezes desesperada, é frustrante - não se quer pedir ajuda mas também não se quer errar." Isto porque o erro, além das consequências teóricas, muitas vezes tem implicação a nível de equipamento e do dinheiro que se gasta tendo em conta determinados cálculos. "A câmara que ajudei a fazer não era mais do que 50 mil euros - o que para NASA não é significativo em termos de orçamento - mas nunca se quer errar."
Trabalho, festas, exposição ao erro, desafios, prazos, objetivos. Uma profissão muito estimulante. Mas também cansa, não? "Cansei-me imensas vezes", responde Marta num reflexo instintivo enquanto parece vislumbrar a vida que viveu e que irá voltar a viver. "O importante é não desistir, não perder foco do objetivo final."
"Saber que se está a participar no desenho de uma trajetória para Vénus... é inspirador, não se pode dizer que não. Portanto, tem de se alimentar esse esforço, há muitos contratempos. Felizmente na NASA há um espírito de colaboração. Cheguei a pensar se não estaria a dar um passo mais comprido do que a perna. Tive vários momentos de desespero até porque quando precisava de ajuda, a quem a que ia perguntar? Não há muita gente a estudar algoritmos genéticos para uma órbita para Vénus."
Certo é que as conversas que ia tendo, mesmo com quem não dominava a área, já dava para descomprimir e poder chegar a respostas de outras maneiras; são pessoas destas que gostamos de usar como exemplo na Inspiring Future. Não tens de ter um percurso tão internacional como a Marta, nem trabalhar numa organização tão reconhecida como a NASA, mas saber aproveitar as oportunidades e geri-las para retirar o melhor delas é transversal a quem quer um futuro inspirado! Se tens histórias destas, fala connosco ;)