Porque o passo que vais dar depois de acabares o secundário pode ser ainda uma incógnita, a Inspiring Future vai continuar a partilhar contigo artigos escritos por profissionais de diferentes áreas. Esta semana, convidámos o João Nobre, Médico Cirurgião, com 28 anos, a falar-te um pouco do seu percurso académico e profissional. Esperemos que estes artigos te ajudem a tomar uma decisão mais ponderada em relação ao teu futuro!
Do lápis ao bisturi
Chamo-me João. Desde há uns tempos para cá, há quem me chame Dr. João, mas isso não muda nada. Sou médico. Mais propriamente, estou em formação para me tornar Cirurgião Geral.
O que é que mudou desde que saí do secundário até agora? Cresci como pessoa e o rapaz que em tempos se esforçava por ter boas notas em busca de um lugar numa Faculdade de Medicina em Portugal, actualmente passa os dias a trabalhar numa equipa de profissionais fantásticos, a tentar melhorar a qualidade de vida das pessoas que são encaminhadas até nós e nos procuram, através daquilo que a minha área trata, patologia cirúrgica. Para quem não sabe do que falo, aposto que praticamente todos têm alguém na família que já foi operado a uma hérnia, apendice, vesícula, ou mesmo a algo mais grave como um cancro no intestino, estômago. Esses são alguns dos doentes com que lido diariamente.
Isto não se trata de falar do que faço, mas sim de como aqui cheguei. Por isso, aqui vamos.
Os meus pais são médicos. Desde muito cedo que inconscientemente fui contactando com a Medicina, ouvindo conversa, nomes de medicamentos, doenças, quer pelas inúmeras tardes passadas no Centro de Saúde à espera deles, nas quais me entretia a ver tratamentos simples que lá eram executados, ou mesmo consultas. Sem dar por ela, desde criança que tive “formação” nesta área. No entanto, isso não é nem de perto nem de longe a razão pela qual hoje em dia estou onde estou. Fui para Medicina porque gosto, sempre gostei. Não por pensar que iria ganhar muito dinheiro (acreditem em mim, não ganham!), não porque tinha boas notas e seria um “desperdício” inutilizar uma boa média num outro curso... Não.
O curso de Medicina dura 6 anos, mais um de Internado Geral (mais conhecido por Ano Comum) e após esse periodo, pelo menos mais 4 anos de Especialidade. É um longo percurso que envolve muito trabalho e dedicação e por isso mesmo digo que é preciso gostar. No meu 12º ano cheguei a ponderar ir para Matemática, tal era o meu fascínio pelos números (tudo a ver, não?). Após grande ponderação optei mesmo por Medicina. Os exames nacionais foram muito stressantes mas correram bem, e desde logo soube que entraria onde desejava, Coimbra.
Não ponderei sair de Portugal caso os exames corressem mal, mas sempre admiti a possibilidade de, caso não atingisse a média necessária, repetir os exames nacionais. Muitos dos meus colegas passaram por isso, alguns até entraram noutro curso e repetiram por várias vezes os Exames Nacionais até o conseguir. Outros optaram por ir directamente para o fora do país tirar o curso. Consigo dizer com grande certeza que esses amigos que tiraram o curso noutro país (Espanha, Republica Checa), apesar de um período inicial de adaptação que existe (quer lá fora, quer no nosso país), hoje em dia estão muito satisfeitos com essa decisão e talvez inveje um pouco a experiencia de vida que “foram obrigados” a adquirir.
Optei por estudar em Coimbra porque sempre tive curiosidade pela vida académica e a cidade parecia-me simpática. Melhor opção de sempre. Adorei! Acreditem que só mesmo quem estuda lá é que compreende o que eu estou a dizer, não tenho como explicar por palavras. Ainda hoje, quando por alguma razão regresso à cidade que foi a minha casa durante 7 anos, sinto saudades. O curso em Coimbra (talvez hoje agora seja diferente, entrei para Medicina há 10 anos!) inicialmente é muito teórico e por vezes perguntei-me porque razão estaria eu a estudar coisas “inúteis”.
A verdade é que só mais tarde percebemos que as coisas “inúteis” são bases para entendermos aquilo que realmente interessa. É um curso muito trabalhoso, exige muito estudo e dedicação. Quando iniciamos o contacto com os doentes e com a clínica tudo se torna mais interessante e aí sim percebemos aquilo para que estamos a trabalhar.
No final dos seis anos (que passam a correr) realiza-se o exame de Acesso à Especialidade, geralmente em Novembro, esse sim, o terror de todos os alunos de Medicina. É um exame de 100 perguntas que tem como objectivo seriar os alunos para a escolha de especialidade (a melhor nota escolhe primeiro, depois a segunda melhor, por aí em diante). Em suma, uma boa nota nesse exame garante uma boa especialidade e/ou um bom local para a tirar. Para terem ideia do volume de matéria e da exigência deste exame, há quem estude cerca de 1 ano só para que no dia “fatídico” nada falhe. Realizado o exame a nota fica “congelada” durante um ano, isto é, só se efectua a escolha de especialidade um ano após a realização do exame.
Durante esse ano todos os “novos médicos” ingressam no Ano Comum, garantidamente o melhor ano na vida do médico. Muito tempo livre e trabalho que baste. Chega então a altura da escolha de especialidade, decisão que marcará todo o restante percurso profissional, decisão que marca o rumo que queremos seguir. Acontece com frequência não se conseguir escolher a especialidade ou local desejado (a escolha é por especialidade e hospital - por exemplo - quem quer Ortopedia tem de escolher essa especialidade numa das localizações com vaga) e quando assim é, muitos decidem repetir o Exame de Especialidade, o que revela uma coragem e dedicação incrível.
Agora que estou na especialidade que gosto, posso dizer que sou feliz e que é com muito entusiasmo que venho para o Hospital de Leiria, meu local de trabalho. Se trabalho muito? Sim. Mas já dizia o outro “quem corre por gosto não cansa”! No fundo o que eu gostava que retivessem da minha experiência é que a paixão pelo que fazemos é o que realmente conta. Apesar de estar “convencionado” que Medicina é para quem tem boas notas, não caiam no erro de não seguir a vossa vocação, de seguir o que realmente vos dá prazer só porque parece mal “desperdiçar” uma grande média.
Procurem o respeito, não o assumam só pela posição que ocupam.