Quando disserem que as mulheres não podem fazer as coisas que os homens fazem, é importante que se olhe para a história e se compreenda a evolução dos tempos.
Hoje em dia, não só as mulheres podem fazer o que os homens fazem como, muitas vezes, o fazem tão bem ou melhor.
Essa realidade está cada vez mais presente, não só em áreas tecnológicas como áreas reconhecidamente “cool” – e é esse o caso da Catarina Macedo, uma jovem empreendedora de Braga que vide do outro lado do Mundo e é Program Manager da Xbox Live, trabalhando dos HQ da Microsoft. Leste bem!
Catarina, como é que surgiu o teu interesse pela tecnologia?
Desde muito nova que tenho um grande interesse por tecnologia. Sempre gostei muito de jogos e tinha um vizinho que tinha uma SNES, passávamos tardes a jogar a tentar chegar ao fim do jogo! Outro vizinho tinha uma Nintendo 64 e era fascinante o estarmos todos juntos a tentar passar níveis. Era tudo muito social e desafiante porque nos obrigava a interagir! Por isso chateei o meu pai para ter uma consola e acabei por ter todas… Isso levou-me a pensar como eram feitos os jogos, como é que uma consola funciona, depois como é que o computador funciona… ainda cheguei a desmontar uma delas.
E como é que entraste de facto no mundo da tecnologia?
Entrei na Licenciatura em Engenharia Informática na Universidade do Minho. Engenharia Informática era a única opção para mim, não me via a tirar Medicina por exemplo. Na altura, sabia zero sobre programar. Aliás, nos primeiros dias sentia que toda a gente sabia mais do que eu e foi um bocadinho assustador. Achava que sabia sobre tecnologia e afinal não sabia nada, mas correu tudo bem e acabei por aprender tudo.
Tinhas muitas colegas raparigas? Havia alguma estranheza, na altura, de existirem raparigas em Informática?
Comecei em 2008 e entrámos 10 raparigas, mas só acabaram três, contando comigo. Éramos muito muito menos e por isso sim, havia. Mas a Universidade do Minho tem uma cultura excelente, nesse aspecto Uma coisa que ajudou, por exemplo, foi a praxe. Lá, éramos todos tratados da mesma maneira, rapazes e raparigas… por isso acabávamos por nos sentir o mesmo. Nós fazíamos o mesmo que eles. Aliás, nunca senti grande diferença enquanto estava a estudar… senti mais no mercado de trabalho.
Como por exemplo?
Nunca tive descaradamente problemas de discriminação, mas às vezes bastam pequenos comentários, o facto de não se chegarem a ti para pedir ajuda só porque és mulher e podes não saber tanto como um homem… é mais esse tipo de sentimentos. Sinto que tenho muito mais a provar que um homem que está na mesma posição. Não vemos isso ao início mas com a repetição acabamos por perceber. Por exemplo, quando eu dava workshops nas universidades de game development, uma área onde ainda hoje não há muitas raparigas, parecia que estudantes e professores não queriam ou não se sentiam confortáveis em fazer-me perguntas. Parecia que pensavam que estava a seguir um script e não porque sabia do que estava a falar, não havia engagement. A estratégia que usei para combater isso foi colocar nos primeiros slides do Powerpoint fotos minhas a jogar nos torneios, os meus scores na Xbox... para mostrar que era gamer. Funcionou muito bem e continuei a fazer mas pensava sempre “Porque é que raio preciso de fazer isto?”.
E depois, como é que se desenvolveu o teu percurso no mercado de trabalho até ao ponto em que estás hoje, na Xbox?
Quando me mudei para Lisboa e entrei no Instituto Superior Técnico para fazer o mestrado fui escolhida para integrar o Microsoft Student Partner, um programa da Microsoft em que alguns estudantes portugueses são selecionados para realizarem eventos relacionados com a empresa. Fiquei super feliz porque a Microsoft sempre foi um dos sítios em que mais gostaria de trabalhar, eu era super fã da Xbox. Mais tarde, comecei um estágio a gerir o programa e a fazer workshops de game development, por exemplo, pelas universidades. Foi um ano espetacular, em que tive a oportunidade de ver como a empresa funcionava, conhecer as pessoas lá dentro, aprender imensas tecnologias sobre as quais não fazia a mínima ideia… E no final consegui entrar no programa Microsoft Academy for College Hires, um programa de dois anos para pessoas que acabam a universidade e que é basicamente uma excelente plataforma de entrada para a Microsoft. Foi espetacular para aprender! Passado um ano e meio a tentar muito ir para a xbox, recebi o convite para me mudar para os Estados Unidos. Parece surreal ter mesmo acontecido!
Isso quer dizer que estás a realizar um sonho?
Sim! Estou super feliz, isto é o meu sonho. Sabes que aos 17 anos vim a Seattle a uma final de uma competição de Years of Wars, que eu jogava na altura. E eu sabia que a Microsoft era lá, algures. E eu lembro-me de pensar “Um dia venho trabalhar para cá, para a Microsoft. Adoro esta cidade e quero vir morar para cá!”. Mal eu sabia… mas a verdade é que 10 anos depois, aconteceu.
Já falámos nas barreiras que as mulheres têm de ultrapassar no mundo tecnológico… mas também há vantagens em ser mulher, do teu ponto de vista?
Sim, sem dúvida. Só o facto de estarmos habituadas a estar numa posição mais difícil já nos ajuda a ultrapassar certos desafios. Graças a isso temos mais resiliência, uma força interior diferente. Depois, o facto de agora haver uma grande aposta na diversidade e na inclusão, abre-nos muitas portas. Não acho que alguém deva contratar uma mulher só porque é mulher, mas pelo menos sabemos que inserem as mulheres nos loops de entrevistas, que são criadas oportunidade de igual forma. E depois, com as comunidades e os cursos que têm surgido, é uma boa altura para se ser mulher na tecnologia e aproveitar as oportunidades que surgem, cada vez mais.
De que forma é que o conselho que partilhaste na plataforma PWIT, e passo a citar “Say yes until you can’t say no”, tem influenciado o teu sucesso?
É um conselho que pode ser mal interpretado mas eu explico. Isso reflete a forma como eu vim para cá, por exemplo, que não é uma decisão fácil. Na altura, um mentor abriu uma vaga aqui em Redmont e perguntou-me se estava interessada. Fiquei a pensar e não sabia se estava, mas decidi dizer que sim. As entrevistas correram bem e a pessoa voltou a confirmar se avançava com a proposta. Pensei sobre a família e o facto de mudar para o outro lado do mundo… mas disse que sim. Talvez a oferta não fosse nada de jeito e depois logo se via… mas a oferta era incrível e tratavam tudo por mim. “E agora? Pronto, vou dizer que sim.” Ou seja, fui dizendo que sim até que me apercebi do que se estava a passar já no avião, com o meu gato. Ou seja, a ideia é tirar um bocadinho o peso de cima da decisão e pensar “Vamos dizer que sim para ver o que acontece”. A qualquer momento eu podia voltar. Portanto, assim que virem uma oportunidade que vos entusiasme e que seja algo que queiram muito, evitem o medo de dizer que sim. Digam que sim até já não ser possível dizer que não… que é basicamente quando estão no avião.